sexta-feira, 17 de abril de 2015

Nicette Bruno: "Não consigo é tirar a aliança" Em entrevista emocionada, mas repleta de sorrisos e vitalidade, atriz, de 82 anos, traz à tona recordações do marido, Paulo Goulart, morto há dez meses. Aos 62 anos de carreira, em cartaz no Rio com a peça Perdas e Ganhos, ela ainda não pensa em aposentadoria

Editora Globo (Foto: Editora Globo)
O largo sorriso com o qual Nicette Bruno recebe em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, no Rio, pode ser compreendido como um afago de boas-vindas – mas também como um sinal de superação. Nicette ficou viúva em março de 2014, quando Paulo Goulart, com quem foi casada por 62 anos, morreu vítima de câncer aos 81 anos. O Brasil perdeu um de seus maiores atores e ela, o companheiro com quem compartilhou uma sólida história de amor. “Não consigo é tirar a aliança. Não consigo, não. Estou sempre com ela (...). Ele que me deu, né? Não tenho por que tirá-la”, diz a atriz, acompanhada de Biquinha, seu inquieto maltês.
Aos 82 anos, sendo 62 de carreira, Nicette assumiu um novo desafio. Faz pela primeira vez um monólogo. Está em cartaz no Teatro do Leblon com Perdas e Ganhos, com texto do livro homônimo de Lya Luft. A direção é de Beth Goulart, uma de suas filhas – ela também é mãe dos atores Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho. “Meu orgulho é, junto com o Paulo, ter construído uma família respeitando as individualidades de cada um”, diz a atriz, com ternura.
Val Colto: A senhora parece ótima, além de ser dona de uma energia inspiradora...
NICETTE BRUNO: 
Obrigada, querido! Mas para a gente começar esse papo, meu filho, vamos esquecer isso de “senhora”, por favor (risos).
Editora Globo (Foto: Editora Globo)
Val Colto: Tudo bem. Perdas e Ganhos é seu primeiro trabalho após o falecimento do Paulo. Como foi voltar a atuar sem ele?Nicette Bruno: Foi um trabalho difícil no começo, até para eu me controlar emocionalmente. Tirei força da compreensão de vida que eu tenho. Sei que o caminho de todos nós é esse. A única certeza que temos na vida é o momento final. Mas a vida não começa no berço e não acaba no túmulo. Ela continua. Tenho meu lado espiritual muito forte. Sou kardecista, o que me dá um apoio grande de compreensão da nossa trajetória. O sofrimento, a dor, o vazio, a saudade, tudo isso vai me acompanhar para sempre. Mas pelo menos o trabalho vai me ajudando na superação.
Val Colto: De onde tem tirado forças?
Nicette Bruno: 
Durante o trabalho, Bethinha (sua filha) me falava: “Força, mãe, respira fundo e vai”. Aí fui dominando as emoções. Faço o espetáculo para cima. O que sinto em relação ao Paulo não é uma saudade triste, para baixo, de sofrimento. É uma saudade boa, mando para ele energia de luz. Acho que ele está feliz, onde quer que esteja, por nos ver realizar esse trabalho e notar o sucesso que obtivemos. É um fluxo de sentimentos positivos.
Val Colto : Antes do espetáculo, uma gravação com a voz do Paulo avisa ao público para desligar os celulares. De quem foi a ideia?Nicette Bruno: É tudo culpa da Beth! Quando cheguei ao ensaio geral, ela virou e me falou: “Mãe, tenho uma surpresa para você”. E ouvi aquela voz. Foi gostoso. De alguma forma ele está ali no espetáculo conosco. Ele já estaria ali nos nossos pensamentos, é claro. Mas a voz dele nos acompanha, o que é muito bom.
Val Colto: Sente a presença dele?
Nicette Bruno: 
Não no sentido dos espíritos. Ele agora é só energia. Estudo o kardecismo no sentido de filosofia de vida, ciência para exercitar a religiosidade. Acredito em Deus como forma positiva de sentir as energias. É nisso que acredito. Quando você tiver que receber alguma mensagem, ela chegará a você de alguma maneira, não importa como.
Editora Globo (Foto: Editora Globo)
Val Colto: Com 67 anos de carreira, você está no seu primeiro monólogo. Ainda é possível se surpreender na profissão depois de tantos anos de experiência?Nicette Bruno:Claro! A vida é isso. A cada momento estou sendo surpreendida. Quero acompanhar todo o processo de aprendizado que a vida me dá. Em teatro, por exemplo, é sempre difícil. O monólogo é complicado porque a gente fica sem ter onde se apoiar. É preciso que o ator estude muito e tenha domínio pleno do texto.
Val Colto: Entre perdas e ganhos, o que fica no fim das contas?
Nicette Bruno: 
A experiência, a evolução. Quando você aprende alguma coisa, cresce. Isso é o que fortifica sua caminhada. Em todas as perdas, a gente tem também ganhos. Ganhos de entendimento, de compreensão... Assim é a vida.
Val Colto: Você ganhou mais do que perdeu?
Nicette Bruno: 
Sempre! Isso acontece com todos nós. Mas as pessoas não têm essa noção. Paulo sempre dizia assim: “É muito mais fácil lembrar da bofetada do que do beijo”. É um provérbio chinês. Na vida é tão bom conquistar um amigo, por exemplo. É tão bom lembrar dessa amizade, tão melhor isso do que lembrar do momento em que a gente brigou... Paulo sempre dizia... Olha, já estou eu citando o Paulo de novo! Ele dizia: “A briga não é uma atitude inteligente”.
Val Colto: Fazendo um balanço de sua trajetória até aqui, qual foi o maior aprendizado que você teve na vida?Nicette Bruno:O maior foi de relacionamento. Eu e Paulo... Desculpe, eu falo muito dele (risos)... A gente sempre se respeitou na individualidade. A paixão vai se transformando em amor, mas a brasa da paixão fica lá. A qualquer momento ela inflama. Com a gente acontecia isso. Nunca tivemos uma briga de casal. A gente discutia porque tinha opiniões que se diferenciavam. Tínhamos o que discutir, graças a Deus. Porque senão ia ser uma chatice! Outra coisa importante era saber o quanto um estava errado em relação ao outro.
Editora Globo (Foto: Editora Globo)
Val Colto: Arrepende-se de algo que podia ter feito com ele?Nicette Bruno:Que eu tenha consciência, não. Posso até ter deixado de fazer algo, mas não lembro. E ele também comigo. Sempre fomos parceiros. Éramos agradáveis um com o outro. A forma romântica e carinhosa dele não era de dizer coisas, era de fazer alguma coisa. Por exemplo, ele adorava me dar presentes, independentemente de datas. Dava flores, coisas mínimas, coisas bobas, mas que tinham valor. Um dos últimos presentes que dei para ele foi um radinho, para ele colocar no banheiro (seus olhos ficam marejados).
Val Colto:  Ainda chora de saudade?Nicette Bruno:Vou chorar sempre. Mas não aquele choro de desgraça. Sei que ele está melhor do que estava. O último ano dele foi muito difícil, sofreu demais, com muita dor, cheio de morfina, não andava direito.... Nossa, não gosto nem de lembrar. Só podia ser carregado. Era uma coisa horrorosa. Antes era cheio de vitalidade. Não gosto nem de lembrar (pausa). Às vezes a lágrima corre.
Val Colto: O que fez com os pertences pessoais do Paulo?
Nicette Bruno: 
Dei tudo. Distribuí algumas roupas para a família e outras para um bazar do centro espírita que frequentamos. Em São Paulo doamos para uma casa de fraternidade. Não consigo é tirar a aliança que ele me deu quando comemoramos 60 anos de casados. Foi um momento tão extraordinário, quando os filhos prepararam em São Paulo uma comemoração pela nossa união. Não consigo, não. Estou sempre com essa aliança (Nicette se emociona). Ele que me deu, né? Não tenho por que tirá-la.
Val Colto: O que você quer da vida?
Nicette Bruno: 
Quero paz, alegria, realização. Quero trabalhar enquanto der. Não quero ficar parada. Vou voltar a fazer novela em março, será a próxima das 7, ainda sem nome definido. Já tenho tido encontros de elenco e reuniões com o diretor Wolf Maya, adoro este momento de definições... Quero movimento na minha vida, não quero nada parado. Eu estou sempre tendo ideias, gosto de pensar. Sou inquieta.
Val Colto: Qual é o momento profissional e pessoal que mais lhe dá orgulho?Nicette Bruno:Celebro o fato de ter tido a oportunidade de fazer muitas personagens boas e a compreensão de não ter feito outras (risos). Sinto orgulho de ter começado com a orientação de Dulcina de Moraes (atriz teatral); de ter tido a direção do Ziembinski na peça Anjo Negro, de Nelson Rodrigues; de ter feito Margarida, de Fausto; de ter começado ganhando medalha de ouro como atriz revelação. Dulcina me dizia que na vida temos dois caminhos, o do fracasso e o do sucesso. Ela repetia: “Assimile tudo o que você puder diante de um fracasso para que o sucesso não suba à sua cabeça”. Isso norteou minha vida. Meu outro orgulho é, junto com o Paulo, ter construído uma família com pessoas diferentes, mas respeitando as individualidades. 
Editora Globo (Foto: Editora Globo)

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